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09/05/2014

Transcritos

Chamam-me poeta.
Como se eu estivesse nesse quadro.
Eu não sou. Não tenho a honra de estar nessa classe.
Sou um escriba, apenas um escriba.
Vejo e escrevo.
Escuto e transcrevo.
Observo, estudo.
Sou apenas um transcritor do que o mundo me dá ou impõe,
um copista compulsivo.
Não considero ser mais ou menos que isto.
Se uma nuvem é uma nuvem, 
eu apenas a mostro por palavras para que a sintam.  
Não deixa de ser nuvem por eu dizer que não o é.  
Outros sim.  
São esses que fazem a poesia viver, existir e sangrar!  
Eu sou a legenda das vidas, dos sentimentos afiançados.
Uma lágrima é chorada no rosto que não o meu e eu a tenho como minha.
Um toque e um beijo são tidos e amados por outros e eu os usurpo.  
A tristeza que não é minha, eu só a sinto.  
A alegria que me é longínqua, eu a aproximo, 
lhe adivinho o tamanho e o perfume.  
A memória de outra memória eu a arrecado,  
a recordo minuto a minuto com e sem agrado.
Não me chamem poeta!  
Sou quanto muito um aprendiz de truão, 
um que faz das letras as falas idas.  
Nas palavras está o meu refúgio da luz dia;
pelas frases erguem-se os meus abrigos da escuridão da noite.
Se sofro de dia não sou repousado no véu da madrugada.  
Tenho só olhos para ver o mundo com o coração despido,  
sem interrupções.  
A música é uma carícia suprema e afaga-me sem me tocar.  
Todas as noites fui música de uma pauta esquecida,   
de um som que não faz eco e que destoa em mim que ecoo.
Esse som não será a resposta que anseio,   
que procuro como quem sobe do fundo do Oceano,
em direcção à superfície em perseguição do ar.  
Os meus escritos são ordens de palavras em esquema de frases construídas
com um sentido já merecido.  
Não é Pessoa, Florbela, Sophia, Ary e mais tantos.
Não me chamem poeta.  
Sou um fiel do armazém das letras.  
Doo-me ao que sinto e não sinto.  
São as emoções, essas maravilhas e desgraças que escrevem em mim, 
formam-se através do meu ser e pela minha mão,
por extenso tomam o lugar neste Mundo.

Só a dor é talvez minha. A poesia não.