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31/08/2014

Deixa-me viver em ti

Adormece-me...
Pátios cheios de gente.
Toca-me...
Luzes no nevoeiro.
Agarra a minha mão...
As pedras do passeio.
Fecha os meus olhos...
As mantas da cama.
Escuta o meu peito...
As chuvas nos vidros das janelas.
Ouve a minha voz...
A aldeia velhinha e cheia de história.
Cala-me com a tua boca...
As paredes brancas e rachadas.
Tira-me as lágrimas...
A tua roupa ainda quente.
Não me deixes ir embora...
O selo na carta para enviar. 
Aperta-me...

Tira-me de mim.








Domínio

A vingança é um sentimento fácil.
Brota em nós como erva daninha e espalha-se sempre.
Tem a promessa de um sabor doce.
Da satisfação por compensação de atos.

Não.
É só uma vela com dois pavios.
Um consome-se.
O outro é consumido.



A tua boca

Dá-me um beijo.
Só um e sem mais repetições.
Quero um só.
Neste dia,
quero ter este teu beijo no meu pensamento.
Algo para onde eu vá e me refugie.
Dá-me mais um agora.
Este só para que eu me lembre 
como é ter 
a tua boca comigo.
Um beijo sem seguimento,
sem sequência que nos leve 
a outros beijos 
sem serem contados.
Como é bom beijar e perder a conta deles.

Dá-me mais um beijo.
Este eu quero só 
porque é tão bom beijar-te.

Dá-me um beijo.
Eu dou-te outro.
Tenho tantos para ti...








Mendigo do vento

Sem dar a meia palavra,
amo a palavra inteira.  
Sem um grito,
atribuo a um grito a minha fala!  
Sem ser a voz,  
sou a vontade expressa de ser escutado.  
Sem saber como sonhar,  
adormeço numa noite arrumada sem cuidado.  
Sem ter o maior milagre da vida,  
sou vivo em inexplicável sobrevivência.  
Sem sobrar, estou a mais!
 

Sem ser o que quero e desejava ser,  
vou insistindo nesta labuta 
de ir sempre aonde o vento me leva.








Fado

Feito.
Fraco.
Febril.
Fendido.
Fácil.
Faustoso.
Feio.
Fascinado.
Feitio.
Fitado.
Finado.
Fracionado.
Furioso.
Fábula.
Ferrado.
Franco.
Faminto.
Filtrado.
Fino.
Face.
Fadado.
Fadiga.


Vivo e respiro assim.
Sigo estes crivos,
são as grades da minha prisão.




Um outro milagre

Sou. 
Sou um milagre saído duma esquina.
Sou a casa lar de família 
feita forte de tijolo e betão armado, 
a memória esquecida de um edifício passado,
a luz nova que traz vida.

Sou a ausência do vício sem sentido, 
como se vício sentido, 
necessitasse eu sequer ter.
Sou uma marca no meio do pó, 
uma impressão deixada, 
repousada e testemunhada.
Um vazio comprovador de algo que, 
existe, 
sobrevive, 
algo que é afiançado,
que tem o seu lugar.
Sou um copo, 
cheio gota a gota,
que se bebe e mata a maldita sede.
Sou um pedaço de pão fresco, 
uma côdea dura e rija, 
saborosa e que alimenta.
Sou o caminho mais curto
para qualquer lugar.

Assemelho-me a um tronco de árvore milenar,
justo e resistente, 
senhor da sombra.
Sou uma janela para o horizonte, 
com uma cortina esvoaçada ao vento, 
que serve de miradouro à esperança.
Sou o que não fui mais.
Sou um rasto sem resto.

Uma leve pegada de uma aparição, 
uma figura em contorno de giz 
que facilmente se apagou e renasceu em quadro.
Sou um segredo desarquivado.
Sou um lençol novo escondido 
numa arca melancólica, 
guardado a salvo.


Sou um recado a dar.
Sou um foguete de lágrimas 
que rebentou e se fez em estrelas.
Sou o fim de um filme que não carece de legendas.
Sou a ternura,
a falta do esquecimento...
E no entanto, 
no entanto sou eu.

Eu.
Sou.







30/08/2014

Inumado

Dou-me conta 
que a ilusão de ter esperança,
nada tem de racional ou metódico.
Vejo-me a ir.
Aquele que espera por dias melhores.
Caminhos de flores e saldos positivos.
Nesta insistente acção de ter sonhos,
planto-me.
Espero vir a ser 
o ser que desponta.
Não a semente 
que ficou por nascer. 








28/08/2014

Morada das recordações

Na casa do lado,
a vida não é mais a quente 
nem as paredes são abrigo.

Na casa do lado,
há gritos e sons sem vozes 
que se escutam.

Na casa do  lado,
as noites são eternas e destas ditas 
noites normais,
ausentes sem o saberem.

Na casa do lado,
os fantasmas vivem 
da escuridão de quartos em abandono,
de salas com paredes decoradas 
de memórias em carne viva.

Na casa do lado,
não se vive.
Só lá habita o passado.








Fica

Fica comigo.
Fica de dia e de noite.
Quando fizer vento 
ou um calor de abrasar sem brisa qualquer.
Fica no silêncio e no meio da música.
No escuro do quarto ou na luz da manhã.
Fica comigo,
nesta magia e nesta realidade.
Quando te deitas e eu acordo.
Nos dias crus e nos tempos de sorrisos.
Fica comigo por uma hora e por uma eternidade.
Sem demora e com o ansiar da espera.
Ao meio e às pontas.
Nas páginas de um livro, 
na ilusão de uma tela com as cores todas.
Fica comigo...
Hoje, amanhã.
Na chegada alegre, 
na despedida apressada. 
Quando caio aos teus cheiros, 
quando te rendes aos meus desejos.
Em abraços só nossos,
num afastamento chegado.

Fica comigo.
Eu fico contigo.
Merecemos ser amados.







Teresa

Hoje, 
esta noite escrevo sobre Ti.
Nunca o fiz.
Não porque não o mereças.
Só porque achava que eu ainda não o sabia fazer.
Teresa.
O teu nome é o meu nome feito mulher e irmã.
Foste quem veio antes de mim.
O meu tempo antes do tempo.
Eras com quem eu falava sem falar.
Trazias-me ao colo.
Beijavas o meu rosto.
Tinha sempre o teu amparo.
Eras a minha irmã.
A minha Teresa.
Lutadora, amorosa.
Leal, doce.
Mãe, defensora.
Caridosa, triste.
Sofredora, sonhadora.
Parte de mim.
Minha lágrima adiada.
Meu "se".
Gente que me ensinou a ser gente.

Foi cedo demais.

Quero-te aqui.
Todos os dias.
Não quero perder a memória de Ti.
Sou o teu Irmão.
Vives ainda em mim.








27/08/2014

Inteiros

Deitei o meu corpo 
ao lado do teu.
Nu de palavras.
Nu de ilusões.
Sabia onde estava,
quem era naquele momento.
Olhei nos teus olhos fundos.
Permiti que olhasses de volta.
Dentro de mim 
eras sabedora 
do que aqui vive.
Sou este que está 
enlaçado em ti.
Sou o homem 
que te deseja mulher.
Sou sombra, 
névoa, 
chuva lacrimal.
Sou luz, 
primavera, 
brisa quente e com perfume
a mar e rosas.

Abandono a minha boca na tua.
As minhas mãos 
soltam-se e vão descobrindo
as ruas do teu corpo.
Demoro-me nos teus seios,
faço o meu mapa das tuas coxas.
Moro no fundo das tuas costas.
Tomas-me,
conquistas me sem Norte nem Sul.
Entrego-me rendido,
sem um secreto hesitar.
Sinto-te por inteira.
Faço-me teu.
Fazes-te minha.

Somos a soma.
O resultado sem contraprova 
de que no mundo 
há sempre
um ser que nos faz inteiro.








26/08/2014

O sentido

Vejo um barco 
que chora à chegada.
Este navio 
chega ao porto à hora marcada.
Pára e definha.
Deixa de ser navio 
só porque detido no cais,
não navega.
Não é navio mais.
Não faz o que 
os outros navios fazem.
Não parte 
nem se entrega ao mar.
Este barco é aquele 
que foi baptizado com
lágrimas novas e antigas.
Que no ventre 
viu histórias de gentes.
Que pela popa 
se despediu de tantos portos.
Na proa 
deu a conhecer alegrias, 
boas novas e vivas.
Este navio 
vai ficar até ter um destino.
Talvez morra aportado.
Talvez saia 
sem rumo em desvario. 
Este navio é um corpo,
uma alma molhada 
que flutua,
que foi nascido 
para cortar as ondas.
Tem saudade da ausência,
como quem só está em casa 
na rua.

Sente-se só livre no Mar.







Raiva

Acordar em cansaço despido!
Dormir em fadiga colada às costas!
Adormecer em cansaço à medida vestido!
Rezar uma prece dita às postas.

Viver assim não é vida!
Nu do que é importante!
Sobrevive-se, rumina-se esta ideia sofrida,
de tudo o que devia digno e constante!

Remoer as bordas do prato que temos.
Contar os tostões em função das contas incertas!
Apertar o cinto até não mais podermos!
Andar em circulo como que sem destino nas pernas!

Fartos desta terra que era outra terra de outra gente!
Conseguir ver o futuro é só em sonho acordado!
Querer não ser mais uma baixa mas sim um sobrevivente!
Passam os dias, as lutas e tudo nos passa ao lado!

Os que mandam, mandam mais todos os dias!
Os que morrem aos poucos fazem-no de olhos abertos!
Nós mastigamos os dentes, pisamos as exéquias!
Olhem!Este raio mundo é só mesmo dos espertos...


Somos cicatrizes.
Feridas certas.
Sem saber se seremos felizes.
Vamos olhando o céu à procura de abertas...








25/08/2014

Esta noite

Dói-me a noite.
Não por ser noite.
Não por não ser dia.

Dói-me a noite. 
Não por ser o que é.
Não por não ser dia e tudo o que dia é.
Dói-me a noite pela
escuridão que se fixa em mim.
Tolhe-me e dá-me as decisões a medo.
O sangue fica trémulo.

Dói-me a noite.
Não por ser noite.
Não por não ser dia e luz.

Só porque não te tenho aqui.



Abraço sem tempo

Deixei-te num recado quente
um sonho meu.
Pousado na almofada que foi minha,
na cama que ontem foi nossa.
Neste sonho em caneta e tinta estampado,
redigi o meu amor por escrito.
Amor vivido, louvado, 
abnegando tudo,
só tendo estes dois corpos nossos 
que só estão a par
um com o outro.
Irmãos em tanto,
tanto em dores, vergonhas,
ideais ou enaltecendo
os maravilhosos "Desiguais".
Neste tal recado aconchegado,
fica um beijo dado por cada cabelo teu.
Uma carícia por cada olhar
com perfume a maresia quando olhas para mim.
Fica a promessa do desejo mais amado,
desta noite não terminar.

Tenho e trago saudades 
do que contigo ainda não vivi.









23/08/2014

O contrário da dor

Rasgas as pedras.
Abraças os vendavais.
Beijas as chuvas.
Encurtas os desertos.
Estendes os céus ao tamanho 
da palma da tua mão.
Mordes os pés das montanhas.
Penteias os picos cobertos de neve.
Bebes a terra nunca pisada.
Alimentas as tempestades 
com o mel dos teus olhos.
Matas a sede ao Mar Negro,
dás vida ao Mar Morto.
Contigo não há a conta certa,
resto zero, noves fora.
Não existe unidade de medida.
És sem forma ou geometria.
Tomas os raios dos céus como teus,
as trovoadas soam a suspiros dentro de ti.

Tudo isto é sonho sem pesadelo.
Faca sem fio ou gume.
Santos com corpo e alma de homens.
Luz sem encadeamento.
Estas são razões sem nexo, 
mas são as tuas razões em razão.

Tocas a minha testa,
eu tenho paz em mim.
Beijas-me,
resto-me na concha da tua mão,
não sei mais o que é um lamento
nem a cor da dor.









21/08/2014

Beijo teu

Tenho um segredo guardado.
Só meu de ter e teu de dar.
Tenho um segredo em tesouro tão belo.

Sem ser de ouro 
é mais que dourado.
Sem ser de diamante 
traz o brilho da mais bela estrela.
Sem ser opulento 
é maior que este mundo.
Trago um segredo 
que só tu conheces e é nosso em maravilha.
Tenho o sabor da tua boca 
nos meus lábios.


Sei o que é um beijo teu.







20/08/2014

O princípio

Foi um segredo só dito aos céus.
Um palavra sem ser em suplica 
ou escrita em versículo.
Foi um segundo e um saber 
sem a consciência que era meu,
mas sabia eu 
tudo na ponta da limgua.

Como uma casa sem portas ou janelas, 
telhado ou paredes erguidas,
mas onde eu estava protegido.
Como uma capela sem altar, 
ara ou nicho de santos, 
mas ali estava Deus 
rezando comigo.
Foi como a descoberta da rosa sem espinhos,
que nem por isso 
deixou de ser rosa.

Foi assim quando te conheci.








Manhã

As tuas costas.
A minha mão a percorrer 
a planície das tuas costas
em sentidos e direcções 
que só eu conheço e tu adivinhas.

As tuas pálpebras, 
doces águas 
para os meus rios de beijos.
A tua face encostada à minha 
em siamesa decisão natural e tão meiga.
A tua boca é a terra de onde brota 
a semente que sou eu.

Tu.
És aquela que eu acordo 
com o meu despertado corpo.










A tua árvore

Aqui tens os ramos.
Os galhos, 
as folhas novas, 
velhas e de outono.
Aqui tens a seiva,
o tronco em madeira tosca,
reles mas forte, 
natural, 
sem adições ou subtracções de nada.
Aqui tens a raiz, 
a fraqueza e a força do ser todo.
O centro, 
os anéis dos tempos delineados.
Aqui tens as ramadas que cresceram pelos anos.
Aqui me tens copa e raízes.

Dou-te a sombra, 
o fresco, 
o abrigo,
o acalentador tronco massivo 
que te serve de poiso,
ninho e memória real e vigente.
Aqui estou.

Árvore.
Cepo.
Marco demente.
Aqui me tens.

Sabe-me bem que aqui me tenhas.








Por ti adentro


Sou feito de braços em abraços.
De carne e chagas.
Sou de lágrimas secas e olhos em suspiros
Sou calmo e como um ninho.
Sou ira e paixão.
Triste e carregado de sonho.
Sou quem te quer dar tudo o que tem.
Sou quem quer estar só na tua mão.
A tua sombra e o teu leito.
Sou a tua confusão e o lugar certo de tudo.
Sou a forma do teu corpo a preceito.

Sou quem adormece ao teu lado sem estares por perto.







Morada

Estás aqui.

Sentada a olhar para mim em silêncio santo.
Sei que nasci destas cinzas vãs para ser teu.
Que a certeza do meu sentido sob os céus está aqui.
Contigo.
Acreditas em mim.
Creio em ti.
Nós somos a chama e lume.
O vazio e a esperança.

Estás.
Persistes.
Se é assim esta descoberta
e eu sou destino em ti,
o meu nome passa a ser aquele que tu me chamas.
Estás aqui.

Trago-te em mim.
Vives no meu peito.
Toma morada no meu corpo.