Que desperdício...
És a seara meia colhida,
meia deitada ao abandono fácil!
És a mágoa estendida ao sol a secar,
sem esperança de ser mais nada
do que uma peça de roupa usada esquecida!
És a surpresa que já foi contada!
A estrada que sem tracejado e sinais,
dá ao sentido, o destino em desatino!
És a ultima gota de chuva que nem caiu!
És o bocejo enfadonho!
O encolher de ombros repetido!
A boca em face de repulsa!
És a promessa que foi feita
mas nascida sem razão para ser cumprida!
És o que é podre quando ainda estava na árvore!
És a fétida ferida granguenada a cheirar a amêndoas doces!
És a lua que não apareceu!
O grito irado que não se deu!
O domínio sem feudo!
A espada sem a bainha!
O fogão sem cozinha!
O propósito despropositado!
O remo partido e solteiro!
Os serões em silêncio
com a televisão a servir de fronteira aos dois!
O remédio com data expirada em embalagem por abrir!
És o balde furado que quer acima de tudo,
conter as águas perdidas paradas!
És o livro sem o ultimo capitulo!
A mensagem por enviar!
Um segredo que nem interessa nem é segredo!
És a meta sem ponto de partida!
És a definição radical do que é a ilusão burra!
O ferrolho sem porta!
A janela sem horizonte!
És o mito sem lenda!
O retiro sem silêncio!
A bigorna sem o martelo justo do ferreiro!
O concerto do que está concertado!
És a pedra no passeio que se pontapeia para o outro lado!
És o surdo que acredita que ouve bem e berra nem sabe porquê!
És a desilusão permanente e em sátira sem graça!
És o cavalo sem ferradura!
A casa sem gente!
O viver sem o sonho!
O vinho sem mosto.
Desenho-te e exponho-te!
Vê e toma tento!
Sobe ao mundo!
Não sejas húmus!
Sê o rebento.