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31/08/2014

Um outro milagre

Sou. 
Sou um milagre saído duma esquina.
Sou a casa lar de família 
feita forte de tijolo e betão armado, 
a memória esquecida de um edifício passado,
a luz nova que traz vida.

Sou a ausência do vício sem sentido, 
como se vício sentido, 
necessitasse eu sequer ter.
Sou uma marca no meio do pó, 
uma impressão deixada, 
repousada e testemunhada.
Um vazio comprovador de algo que, 
existe, 
sobrevive, 
algo que é afiançado,
que tem o seu lugar.
Sou um copo, 
cheio gota a gota,
que se bebe e mata a maldita sede.
Sou um pedaço de pão fresco, 
uma côdea dura e rija, 
saborosa e que alimenta.
Sou o caminho mais curto
para qualquer lugar.

Assemelho-me a um tronco de árvore milenar,
justo e resistente, 
senhor da sombra.
Sou uma janela para o horizonte, 
com uma cortina esvoaçada ao vento, 
que serve de miradouro à esperança.
Sou o que não fui mais.
Sou um rasto sem resto.

Uma leve pegada de uma aparição, 
uma figura em contorno de giz 
que facilmente se apagou e renasceu em quadro.
Sou um segredo desarquivado.
Sou um lençol novo escondido 
numa arca melancólica, 
guardado a salvo.


Sou um recado a dar.
Sou um foguete de lágrimas 
que rebentou e se fez em estrelas.
Sou o fim de um filme que não carece de legendas.
Sou a ternura,
a falta do esquecimento...
E no entanto, 
no entanto sou eu.

Eu.
Sou.