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30/11/2014

Pouco importa

Tenho o propósito.
Arrecado em mim os sonhos.
As visões imaginadas.
Se será ou não, 
nem pouco é importante, 
nada!

Gosto do exagero do sonho.
Deixem-me  sonhar em paz.
Mesmo sem razã0...



Meu

Sei o teu nome por inteiro,
de dia e à noite.
Tu nem da minha voz te recordas.
de dia ou à noite.
Sou para ti o contrário do que eras para mim,
um tempo verbal menor,
uma sorte sem prémio,
um pedaço descartado. 
Um cego que vê.

Sem dia ou noite,
esqueço só o teu nome,
começo a recordar-me do meu.



Resumidamente ausente

Resumidamente.
Pairo aqui.
Não me vejo neste ou n´outro lugar.
Nem me sinto cá!
Não tenho sobras de sentimentos.
Vivo como que se escapa-se à vida.
Como uma sinfonia sem partituras, muda.
Inconstantemente fico com o peito a arder,
como quem se afoga e roga por ar.
Retorno vezes sem número às lágrimas 
cheias de tanto de mim.
Aos meus ais!
Aos tempos de passados doces e de estigmas inquinados.

Resumidamente!
Aqui eu me encontro como um a mais.
Sem resposta a qualquer pergunta e com
questões por demais.
Sem o respeito que me devem.
Sem o reconhecimento que é meu.
Trago no colo raivas de berço!


Aqui,
nem aqui estou.
E mesmo que me ausente,
amarguradamente,
ninguém se lembrará de me perguntar 
para onde eu vou.








Valor

Permeável...
A tua voz significa dor.
Na tua presença, 
comporto-me como um recado de mim.

Trago a procura da luz e contigo 
só desejo a ausência dela.

Insaciado.


Antes, agora, por depois

Mãos escritas.
Pintadas de cores e negros tons.
Nomeadas de palavras benditas, 
as sonhadas e as revistas.
Mãos com dedos de ouro rasurados.
Sem saber o negro toque,
sem as dores afiadas,
sem sofrimento regadas.

Mãos escritas como um quadro 
de sombreados e letras em sinais.
Mãos que na ausência dos verbos,
mirram, murcham, emparedam-se.
Mãos com colecções de rugas e sem elas,
em traçado de história de vida.
Selos de tempo,
paisagem de momentos,
vindimas de vivências de mel e fel.
Estados de alma, 
lembranças de um passado com miragem 
num futuro onde o Mar é necessário.

Mãos escritas,
relatos nas palavras assinaladas nas palmas.
Olhos que as lêem
permitem-nas no peito.
Lágrimas súbitas que são 
as legendas por ler.

Tomem as minhas mãos.
Desmesuradamente.









Vontades

Aquele beijo caído, 
tombado e preferido.
Uma pedra atirada ao charco e na água quieta 
sem mesmo a mesma, inquieta ficar,
uma rosa em sorriso.
Lábios arregaçados 
com vontades de matar a beijar.

O sonho escondido, 
guardado em arca de idade santa, 
repousado, recordado.
As tuas mãos emolduradas, 
apeadas dos abraços ao meu rosto.
Uma Lua tida só em gemido 
com grande gosto.
As rotas já vazias, 
as estradas banais sem ninguém 
em passadas no chão molhado.

O calor esgotado, 
sem gestos frios que não o são mais.
A cama despida de nós, 
sem nomes e sem noites demais.
Um anúncio de uma despedida beijada, 
uma só diferente de outras tais.
As janelas em cortinas de sedas acres desiguais.

A porta a bater 
em tons de amarelo.
O vão de escada a rir 
de todo este rendilhado.
O gato a perder o miar 
que lambe constantemente o pêlo.
O tempo em alguém devagar, 
um ser ancorado, 
fixado, descoberto ou perdido,
na terra, 
no deserto ou fundo do mar.


Só este fogo que me despedaça, 
me constitui e desgraça,
me ama e insulta.
Sofro e sorrio. 
Descuido e cuido.




29/11/2014

Desejo

Olhos nos olhos.
Toque a toque.
Vejo o que vejo...

Os teus seios nas minhas mãos.
O meu tronco aportado no teu.
Os teus cabelos iludidos que são os meus. 

Desejos de lúme e curvas de mar.

Fingimos as horas e moie-se o tempo.
Beijos que não terminam e não demoram.

O teu olhar é de quem pede.
O meu olhar é de quem quer dar.
Sem uma só voz ou palavra.


Olhos nos olhos.
Toque a toque.
Vejo o que vejo...

A minha cama que diz 
que é a tua e o sussura no teu ouvido.










Presença

O marco do correio esquecido,
sem cartas ou postais como recheio.
Os passeios de pedras gastas, 
polidas e sujas.
Prosas em desenhos de pedra pisados, ignorados.
As portas com trincos 
que não abrem mais,
com a madeira enrugada, 
cheia de rostos em reflexo fosco e impressões
de tantas mãos.
As dobradiças que permitiam os acessos 
ou negavam a passagem, 
o aceder ao lar de vidas.
Janelas sem vistas, mortas de luz.
A casa com a tinta corroída, enfunada,
arpoada pelas intempéries, 
estática ainda, 
pregada ao solo, 
com as fundações como raiz,
o telhado como copa de árvore ausente.
Por dentro as divisões já não divididas, 
esqueletos de vivências e histórias de quem lá
nasceu e quem morreu, 
de quem aqui tomou o gosto pela vida,
ou desejou desaparecer do mundo dos vivos.
A bancada da cozinha prostrada, 
prestes a cair no chão de madeira desfiado, 
nas paredes de azulejos azuis, 
esboços rudes de linhas antigas 
que já foram imagens familiares.
A água ausente das torneiras 
que mesmo fechadas estão abertas.


Mais um casaréu abandonado.
Sem ninguém que o lembre.




27/11/2014

A sobra

Ficou a memória dos dias.
Só a recordação das noites.
Numa página quase em branco,
um verso primeiro 
numa frase por acabar.
No leitor o cd que era 
música de fundo.
Na mesa os lugares postos 
agora para uns fantasmas 
sem lençol.
Na cama os suores em névoa.

No ar o perfume que não era meu.
A lembrança da esperança renovada
caída por terra.
O filme que está ainda a meio da história.
O segredo que nunca se contou,
a margem do rio que olha 
para a outra margem.

Ficou a memória dos dias.
Agora as noites já vivem em branco.
Os segredos sussurrados 
até podem ser contados.
As flores estão secas e cadáveres.
Sem o sangue já nada vive.

E só o meu nome está na porta.

 







26/11/2014

Sem

Neste firmamento sou como nuvem.
Nestes mares, 
tal qual o coral.
Entre as chuvas, 
sou apenas aquela gota.
Nos campos, 
sou o trigo a remar.

Tu não sabes que és feita de céus.
Não descortinas 
que brotas água de sal.
Ignoras a gota,
que te beija o cabelo.
Nem adivinhas 
porque o trigo vai a penar.


Sendo eu Lua,
só Sol podes ser.




Ici

Je suis seul.
Pas des môts pour toi et pour moi.
Dans ma peau, 
l´absence de vie.
D´un coeur qui n´est pas un coeur.

Nous sommes seules.

Sans coeurs, sans voix
et sans esprits.


Je suis ici.
Tu  n´est pas.


25/11/2014

Este país

Acordem!
Despertem as vozes!
Enraivem as céus os vossos calados gritos!

Acordem!
Como se essa se tornasse a ultima chance!
A palavra febril, final e fulcral!

Acordem!
Repito em manchado hino!
Vejam com a devida atenção!
Saibam o que escreve a vossa mão!
Onde é que assinaram o vosso nome 
nestas podres procurações!

Acordem!
Olhem onde têm os pés!
Se é nas margens ou no mar de toda a merda!
Abram os olhos uma só vez que seja!

Parem com a sabedoria da multidão encarreirada!
Façam uso da dignidade do pensamento próprio!

Acordem já de novo como Gentes!
Sintam de onde vem o peso que vos cai na canga!
Identifiquem quem vos trata de Povo para bestas!


Acordem!
Eu por mim,
já não quero dormir mais!



Ribeira de Fráguas

A mesa posta.
O céu tão alto e sem perfume...

Os pratos no seu lugar em colocação disposta.
Os passeios a pé nos dias de calor nas terras dos meus...

Os copos arrumados no seu espaço destinado.
Os segredos que aquela janela da ruína encerra...

Os talheres enfileirados em pose prestável.
Um bailado de mãos dadas em prazer primeiro...

O pão fresco, quente, recente a estalar ainda ao meio.
Olhos fechados em recordações de infância simples e sem mal...

Os lugares certos à mesa forte e antiga.
As vozes que eram minhas e só minhas, as que não ouço mais...

Todas as cadeiras tortas ou direitas, 
feitas para só sentar, sem número exacto.
Os beijos que não tem conta...

O almoço está pronto.

A mesa está posta.
A saudade nela toma seu espaço.
Recordo tudo sem lágrimas como quem 
deseja chorar...




Lado negro

Perguntou-me aquela sombra 
quem eu era.

Respondi-lhe de pronto e sem hesitar.

- Sou o tipo 
que te dá razão de existir.

Ela não ficou em silêncio atempado.
Retorquiu com igual acutilância e sem perder 
um segundo mesmo.

- Não.
Tu tens a prova que existes 
porque contigo 
ando sempre eu.




24/11/2014

Desarvorado

Vou.
Parti.
Não estou mais.
Nem aqui ou ali.
Nem sou nem deixo de ser.
Vou daqui.
Embora.
Parto daqui para fora!
Como a pedra que se atira sôfrega ao precipício.
Vou.
Longe.
Tão longe que não se mede!
Tão distante que não tem termo.
Sob o horizonte.
Longe da luz!
Vou.
Sem demora.
Sem perder tempo!
Sem saber a hora.
Vou.
Rapidamente.
Invariavelmente!
Reviro-me.
Volto as costa.
Abandono-me ao caminho.
Apego-me aos ventos!
Sou agora só da estrada!
Nem tenho a terra nas solas dos sapatos.
Vou.
Vou embora.
Agarro a poeira e já só,
parto!
Já estou lá fora.

Deixo só a minha pele 
aqui no teu quarto.




21/11/2014

Noite

Não gosto de pedras soltas.
Nem aprecio palavras moles.
Abomino as sombras nuas 
de seres vagos e vidas sem livros.
Tolhem-me os ouvidos 
os discursos sem língua.
Enojam-me as ruínas falseadas 
que até dão jeito.
Odeio os risos fáceis e sem gosto, 
apreciáveis de circunstância.
Enraiveço-me com as conversas 
repetidamente da ordem do dia 
sem fim nenhum.
Irrito-me com os que 
num dia de Sol de Inverno
saem à rua de chinelo de praia.
Falta-me a paciência para aturar 
quem só sabe dizer 
que existe sempre o contrário 
do copo meio vazio. 
Arrepia-me quem diz 
que já sabe tudo.


Acima disto tudo,
simplesmente,
não suporto neste mundo,
o estar sem ti.




20/11/2014

Tugúrio

Acordei.
Dei aos olhos o encontro com a luz.
Continuo aqui.
Partido,
sem saber o sentido da fractura,
o contorno da racha,
a percepção dos cacos todos.

Assim deste jeito,
remediado em partes desiguais,
tal como um livro sem índice,
com mil capítulos,
só me vem aos lábios 
os sabores de outros dias...
Como o despertar era bem vindo.

Agora os dias doem-me.
Ser das horas é ter 
coroas de correntes 
com elos de memórias a pesarem-me.
Uma corcunda de lágrimas.


Vou.
Não me fico aqui.
Acordei.
Mais uma noite contada e finda.
Mais um dia,
ainda um desses dias
forrado ao de leve de esperança.




Entre os dentes

Tomo o canto do cego.
A pintura única do mudo.
A voz proferida do surdo.

Tudo o que me calam
são as palavras que eu não digo mais.
Não as relembro por não serem já minhas.
Não mas tiraram, 
mas também não as quero.

Temo o norte dos meus sonhos.
Temo a luz que me alumia.
Não sei se não serei refém da escuridão,
mas nela eu cá sei 
quando é o meu peito que se eleva.

Trago guardado um medo.
Não o medo pelo medo,
o medo do cobarde.

Tenho medo por saber 
que afinal sou capaz de ter
medo de mim.








Hollow

Resumi tudo.
Demorei a perceber 
mas percebi.
Li e reli nas linhas esquecidas das obras que já ninguém lê.
Sustive a respiração.
Pausei.
Ponderei.
Tomei as notas todas e tatuei-as na boca.
Fiquei na mesma.
Não obti nenhuma resposta satisfatória.
Nada.
Apenas a ferida aberta.
A carta sem sêlo.
Só o negro silêncio que não traz qualquer olhar.
Desmaio como se o desmaio seja 
o meu Inverno.
 
Onde estás?
 
Para onde foste 
com o meu coração?



17/11/2014

A teu lado

Quero ter-me 
em teus braços. 
Ser um e não ser nada. 
Não ter a diferença da tua pele. 
Não saber 
se sou uma meada dos teus cabelos 
ou o perfume do teu pescoço. 
Quero ser a tua sombra 
sem saber onde passeia a minha. 
Assim descoberto e acoberto,
em ti estou em mil bocados e
simultâneamente inteiro sem pedaços. 
Quero parar de ter um coração de dar à corda. 
Esconder-me em ti. 
Parar de ser quem se esconde 
da minha eternidade. 
Roo os tempos que eu já vivi, 
que lamento e amo sempre 
em frases no passado.

Só o sentir os teus braços no meu corpo. 
O teu jeito no meu jeito. 
Apenas ser vertigem e tu a altura. 
Eu quero só ser abraçado. 

Perder-me e não me achar mais 
sem ter-te ao meu lado.