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03/11/2014

Pardal

Subo ao palco.
Piso as tábuas que nem barulho já se atrevem a fazer.
Rege-se tudo pelo silêncio do momento.
Aproximo-me do microfone.
Faço da minha presença ali,
um ato de suprema existência.
Vejo todas as pessoas e adivinho-lhes as feições por detrás das sombras dos holofotes.
Sei que nos contornos de cada um padecem as mãos soltas.
As mãos abraçadas dadas.
As que aspiram a outras mãos.
Todos procuramos por quem nos dê as mãos.

Observo os tiques nervosos de um que não sabe
como estar na cadeira destinada.
De outro que em vez de olhar para o espectáculo,
mira aquela que se pavoneia pela plateia agora e que chegou estupidamente tarde.
Vejo tudo e tudo o que nem sei a perder de vista.
Fico com a voz presa antes de a soltar.
Os meus pés já nem estão trémulos.
Será que o meu corpo treme tanto que já não os sinto?
A minha pose já está.
Naturalmente fico fora do meu corpo.
Paro com os nervos.
Tudo fica escuro e só uma luz está a destacar-me.

Sou eu que agora aqui estou neste lugar que me é destinado.
Eles estão ali.
Aguardam-me.
Amam-me.

Voa a minha voz.
Canto.
Já não tenho história nem pranto.
Tudo acaba e tem o seu começo na fome deste momento!

Eu canto.
Grito!
Expulso!
Afirmo-me!
Vivo!
Importo.

Eu só volto a morrer aos poucos, assim que a música se cala.