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11/11/2014

Sem dó

Demoro-me aqui.  
Neste preciso ponto   
onde foi o centro   
do nosso primeiro encontro.
Sem charmes ou sinais 
de nervosismo tardio.  
Os nenúfares aglomeraram-se   
como numa plateia   
que nos tirava as medidas e até   
a dicção dos nosso olhos   
era sujeita a escrutínio.  
Os teus gestos eram sentidos.
Não medidos.Sem esquadria.  
Os meus eram a reacção fina aos teus.
Como se eu fosse a água perturbada   
deste lago e tu 
a pedra redonda que em mim saltitou à tona, 
até que se afunda por fim,
dentro da raiz do meu corpo.  
As árvores aqui presentes, 
esticadas ao Sol,   
despojando as várias sombras,
trazem em si marcadas nos ramos,  
as palavras beijadas que soltámos um de cada vez.  
Estas pedras onde tomo o meu lugar,
conhecem os contornos do teu corpo
quase de memória e seriam capazes   
de descrever a curvatura 
do meu ventre abraçado, aninhado, 
arrumado  no teu peito.
 
Sei.  
Sei que demoro-me agora aqui.  
De modo disperso.  
Mastigando a saudade.
Meia sem metade.  
Olhando a superfície da água,  
vendo um espelho   
com um reflexo só.
 
Demoro-me aqui.  
Os nenúfares em ajuntamento fiel,  
aguardam por nós.  
Mas do nós,
só eu nesta recordação de paraíso,  
aqui estou sem dó.