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31/10/2014

Despida vontade

Quero ver-te nua.
Sabia-o e disse.
Sem roupa ou lençol que te cubra.
Sem beijos atrapalhados ou de circunstância rude,
desmembrada, apresada.
Quero ver os teus seios,
sem as minhas mãos pelo meio.
Com tua pele arrepiada a lembrar as gotas da chuva.
Com as tuas pernas a tomarem-se
como as minhas cercas.
Ver-te nua...
Sem blusa a cobrir-te.
Nem véu a esconder-te,
nem a sombra a arrefecer as costas.
Comigo cheio de beijos, caseados carinhos,
num segredo preso por vontades que começam
na oralização crua deste pedido,
desta fibra de voz ganha.

Quero deixar-me estar a olhar para ti.
Ver o teu meio.
Como se estes instantes sejam findos.
Como quem dá um ultimo voo e se despede do vento.
Semelhante ao abandonar da Lua à noite.
Quero olhar para ti.
Com os olhos despidos de tudo e nus de verdade.

Quero ver-te nua.
Eu por mim,
não trago mais nada no peito
do que o desejo de te amar.
Como o ar que respiro.










30/10/2014

Erro

Com as sombras,
nos rasgos de luz que as quebram.
Nos passos que se repassam 
entrelaçados no fiar dos meus olhos à vida.
Nas migalhas dos tempos.
Nos momentos à mingua.
No tempo sem eras e tempos de outras épocas.
Na vaga sombreada sina 
feita carne e pele...

Caos.
Negro que aperta e seduz.
Janelas cobertas e sem miradouros.
Arrependimento de tantos.
Negações protestadas. 
Trapos de farrapos de seres.


Já não faço anos.

Anoiteço.





29/10/2014

Grão

Amo a areia que escorre da cordilheira dos meus dedos.
Ela já viveu rocha por debaixo dos teus pés.

Ela foi sinal dos teus enredos.
Promessa esquecida,
Lua desmedida,
sinal provado da verdade do que me és.

Agora vem.

Vem ver a cor do meu sangue.
Vem testemunhar que não é da cor das marés...



27/10/2014

Frase

De repente nada. 

De repente mandantes e os mandados 
já não se distinguiam. 
De repente as frases não tinham 
mais meio ou razão. 
De repente até o que era verdade 
passou a ser o que não era. 
A mentira só era palavra mal dita.
Frase incorrecta. 
De repente os caminhos já não levam a lugar algum. 
De repente as bocas já não mastigam mais.
De repente os ditosos não trazem mais poleiros girados.
De repente amar é mais imperativo. 

De repente 
escrevo como quem mata a fome.



Remoinho

Não preciso de razões. 
Dou-me ao mar todos os dias, 
mas o mar não me sente. 
Tenho as pálpebras em sangue ruivo. 
O olhar em carne viva, 
aberta, exposta, cuspida!

Quero que ele me mate!
O mar não me dá retorno em resposta.
Vai e vem nas ondas sem sequer um olhar em troco.
Banho-me em esperança.
Banho-me em verdade. 
Solto um grito em sequência com a cadência 
das ondas de águas melhores que eu. 
Acabo por já não distinguir a minha voz.
Logo as palavras morreram. 

Não sei mais de que falam ou o que dizem. 
Sei só que não chegam para nós, 
para tudo isto. 
Mas não me importam.

A cruz é só pesada nos passos em que a carregamos.
Depois as costas não a sentem e até o céu 
passa a parecer ficar mais baixo.
As palavras só 
não chegam para mais nada.
Se os mudos também amam,
porque não podemos amar nós 
sem palavras faladas também?
Despojados de vozes.
Como um quadro cheio de cores vagas.










Chão

Dei-te o chão. 
Dei-me nas tuas mãos. 
Dei-nos aos sonhos. 
Dei-nos às sortes 
de amar sem igual. 
Dei o meu nome ao teu. 
Dei o meu corpo 
certo de ser já teu. 
Dei tudo. 

Morrendo aos poucos fui sobrevivendo.
Nestes gestos de são e doido, 
fui permanecendo 
sem estar só nem com gente.

Pedia um sonho.
Deste-mo.


Agora só te quero.



Ela

Espelho de lágrimas. 
Cacos dispersos ao padrão 
dos gritos inócuos mas audíveis
Movimentos nomeados na escuridão 
no meio das pessoas que não são luz. 
Janela de nuvens 
que sobra-me ao meu peito.

Mesmo assim...

Tu. 
A estrela a chamar por mim. 

Tu. 
O desespero que toma o seu fim. 

Tu. 
A dezena deste terço da minha história 
que não tem mais dezena nenhuma por fim. 

Tu. 
O mundo é um lugar mais finito 
por ter-te dentro. 

Tu. 
A metade de mim que eu não encontrava 
aqui dentro. 

Tu.
Espelho sem reflexo remexido,
fonte de palavras frescas que me matam a raiva.

Tu.
A história por contar de mim.





24/10/2014

Oração

O amor é um vicio sem vicio.
Nele o Sul é Norte.
A sina passa a não ser
sinónimo de sorte.
O mar é muito mais
que imensa água azul fria.
Estamos fartos
mesmo estando de barriga vazia.
Até cego eu te veria,
mas mil tantas vezes
negaria os meus olhos ao mundo
sem poder ver-te um só dia!
Inusitado vicio
sem outro valor ou legenda.
Amor é deste modo e preceito justificado.
Chama, gelo, fome,
espanto, tremer,
caminhar sobressaltado.
Pensar infinito sem que se pretenda!
O ir ao fim dos infernos das vidas.
Tirar de lá todos os meus dias.
Vivo como o engenho
que traz em si
a falta gravada das mós.
Amor de um par que desfeito,
são dois entes sós.
Este amor que tenho
vive como lenda.
Mas nem assim,
traz ao fim partido de mim,
a derradeira prova de emenda.









22/10/2014

Arredia

Sem sombra.
Sem luz.
Sem mágoas ou perdão.
Sem a possibilidade da falta da sensibilidade em opção.
Com a ponta dos céus.
Sem o teu cheiro no meu cheiro 
feito o nosso cheiro por entre véus.
Sem o espaço entre nós.
Sem a falta com a ausência dos sós.
Sem a louca sem o louco.
Com tudo a saber a pouco.
Apenas com até este nada 
a ser o rasto de um todo nosso 
em ultima chamada,
de mais nenhuma alma 
ou dos moribundos
em rasgados mares de momentos profundos.

Sem te ter.
Já nem sei ser.










20/10/2014

A pele

Esperas sem sentido.
Abraços vãos,
sem oposição sequer.
Tempos de outros corpos
onde se aprende que os olhos
são como as saias das mulheres.
Rodopiam,
saltam ao vento e ao murmúrio
dos passos enervados.
Não há mais nada.
O passado é só um escrito.
Um pergaminho em papel sem raiz.
Pôdre e sem sabor.
Sem terra boa de semear
letras em ideias de amor.
Há uma hora sem minutos
onde vivem as memórias de tu e eu.
Gentes que se cruzaram connosco
aqui não trazem marca ou saída.
Esperas...
São "nãos" que aguardam.
Já não tenho os preços das lágrimas.

Vem e conversa comigo.
Conta-me tudo o que sabes ao meu ouvido.
Sem tempo ou inclusão.
Dá-me a memória que já não me mói...


Vem buscar-me ao outro lado do mar de ninguém.










16/10/2014

A imperfeita esperança

Quero.
Sim quero.
Quero sem vergonha ou falsos imprevistos.
Quero saber ao que sabe 
o pão fresco na tua mesa.
Quero merecer os teus carinhos 
entre o queijo e o café aquecido.
Quero a calma contigo.
A paz que habita em ti.
A imperfeita esperança.
Quero o adeus à procura.
Quero levantar-me 
para depois levar-te 
para a cama de novo.
Quero ficar no teu silêncio e ser feito dele.
Quero.
Quero-te.
Muito e pouco fundo.

 
Quero ser a verdade 
nesta ilusão sem estreito,
com um mar no meio.









15/10/2014

Um tudo de razão

Eu não sei se a maré é raiada.
Nem me importa.
Não me importam as conversas sem nexos 
que me teimam em queimar os ouvidos.
Eu reconheço que sou vivo 
atrás das palavras onde me mostro.
Estou aí despido e mais certo de mim.
Suplicante nunca.
Sabes disto.
Sabes que respiro dentro de ti.

Eu quero afogar-te em prazer inominável.
Seria assim...
Amante, 
homem,
amigo,
pretenso poeta pleno de insanidades.
Humano gente.
Mas isto não tem valor.

Amo-te.
Diria-te.
E isso valeria sim 
um tudo.




14/10/2014

Leve

Tenho a memória do que ainda não foi nosso.
Trago na língua o sabor da tua.
Uma parte de mim não sara sem ti.
Sou aquela ferida que não tem cura.
Nos teus olhos 
a minha voz é fala franca, 
é palavra poema, 
soro, loucura sem emenda.

Quero-te como quero respirar.
Não me apetece fazê-lo 
se não souber que respiro 
o mesmo ar 
que tu respiras e isso acaba na mesma 
por me ferir 
sem sangue à vista, 
sem cicatriz demonstrada.

Quero o ultimo olhar 
como quem o quer o primeiro.
Quero-te no meu lugar no mundo.
Quero que sejas o meu sono profundo, 
sem máculas, 
pesadelos, 
falsos repousos,
sem despertares ruminados,
dolorosos, acintosos.
Quero saber que é o meu nome 
que adormece na tua boca e acorda no teu peito.
Quero saber-te.
Não acordar sem que tu acordes.



Quero esperar-te mesmo que não venhas.








11/10/2014

Paraiso desigual

Fiel.
Forte.
Resistente ao sopro da morte.
As respostas sem pontos cardeais.
Os dias libertos dos ideais.
O constrangimento incoerente dos actos
supostamente adequados
aos olhos dos normais.
Sem medo,
mal ou falta de postura.
Sem a compostura das sombras na sombra.
As mãos com os dedos todos à mostra.
Os assuntos não tidos
na importância da vida da sociedade.
Mas reparem.

Vejam sem o corpo mas com a alma.
 


Saibam por quem chora quem chora.
Que dor tem quem sofre.

Que sentido de conforto lhe dá norte?
Como se espanta o mistério da morte.
Digam não quando o sim for mais fácil de dizer.
Digam gente!
Não digam aqueles tais.
Apressem a salvação,
digam o bom dia!
Acabem com o ser-se indiferente!
Tornem o colo comum.
Transformem as lágrimas só em choro banal.

Façamos com que nada,

seja mais nada de igual.




Certo

Não venhas agora aqui.
Não deixes a luz.
Não queiras desaprender o que é o mundo.
Deixar as tuas palavras na calçada lá fora.
Não esqueças o penteado do vento enervado.
Aquela onda que veio antes d' uma e depois da outra.
Não te lembres mais a que sabe o meu pescoço.
Não te deixes ficar sã 
sem a posse da tua loucura.
Nega-te a vir ao meu encontro.

Eu sou âncora negra escura
que solta um grito ao mar que a chama.
Tu és nuvem leve branca
que voou até à minha cama.








Retrato meu

Conheci-te na palma da minha mão.
Nos segredos da chuva.
Nos lençóis suados de nós.
Na banheira molhada a dois.
Nas folhas deste caderno sem folhas.
Conheço-te a cada suspiro e surpreende-me agora, 
que só inspiro para te poder conhecer.

Conheço o teu perfil 
na parede do meu quarto.
Chamo-lhe sombra amada.
Quero-te a fazeres parte 
da minha vida 
num único retrato. 








Florescer

Tenho as mãos fechadas.
Abraçadas uma na outra.
Os pés nas terras esfriadas da manhã.
Tenho o peito em fogo iriçado.
Tenho a visão da porta da liberdade.
Do escape que é o meu sonho de morte solta.
Tenho espelho que nunca me reflectiu.
Tenho os teus beijos de café morno.
Tenho o ar que me consente à vida.
Tenho os dentes, estes caninos afiados, 
prontos aos ataques por instinto,
defesas no labirinto.
Tenho a escuridão.
Tenho a vida das noites,
a demora das madrugadas mal despertadas.

Tu tens todas as manhãs.








Cura

Remendei-me só num ato só.
Queria voltar a ser inteiro.
Não me importei com as simetrias.
Com a coordenação de cores.
Com as legendas todas no seu lugar.
Presumi que sabia o que era um beijo.
Presumi que era minha essa certeza.
Não.
Estava errado.
Depois de ter a tua boca

na minha percebi isso.

Remendava-me sem saber
que para poder ser teu,
não podia eu estar apenas meio.









Lenifica

Tu és verdade.
Luz, escuridão.
Gente, fantasmas.
És a voz que sempre li,
mas nunca,

nunca eu escutei.



08/10/2014

Escreve-me

Procura-me.
Deixa-me.
Aguarda-me.
Não te importes comigo.
Germina em mim.
Corta-me pela raiz.
Dá-me a tua pele.
Nela vou escrever
a minha palavra ultima.
Nas tuas costas
não vou conhecer,
nem linhas ou pontuação,
ou que raio for!

Acaricia-me
com as tuas coxas.
Ajeita-me à tua sombra,
deixa-me falar-te de tudo,
sem ter de te ditar nada.

Escreve-me
em palavras inventadas.
Frases que só
eu adivinhe e conheça.
Verbos em sustenido.
O teu umbigo feito pauta.


Escreve-me.
Acha-me.




Destino

Tremo.
Sem medo.
Sem frio.
Sem terror.
Sem inóspita loucura.
Tremo quando olho no fundo dos teus olhos.
Quando sei o meu nome escrito neles.
Pesca-me.
Sobe ao meu peito alado.
Toma-me as penas e faz em mim 
o teu ninho.









07/10/2014

Dei-te todas as palavras

Dei-te a as palavras todas.
Fiquei sem nada do que não queria dizer.
Fiquei a teu lado, 
em cima de ti, 
por baixo do teus olhos.
Arrependi-me do tempo 
sem ti e do tempo contigo.
Abracei a dor de não te ter,
a soma da capacidade de sorrir 
que ganho contigo.
Enamorei-me.
Sem paixão e com toda a raiva 
do meu meio mundo anulada.
Apareci na prece da montanha 
sem negar ser o morto 
no fim da planície.
Foi tudo sem o ter, 
sem a posse 
que tem de ser negada.
Tu és a margem
assim como eu sou a estrada.
Bebo-te como o ultimo copo de vinho.
Como a sofrer com a ânsia 
de ser a ultima gota.
Dei-te todas as palavras.


Só te queria dar a minha boca.