mas assim deste modo,
será mais fácil para mim e para vós,
chegar-mos ao fim deste episódio de uma vida
que vos desejo relatar.
Eu era um homem jovem e sem grande escolaridade.
Fiz de tudo um pouco, muito e variado.
Nunca roubei porque nunca cuidei que fosse necessário fazê-lo para vingar.
Soube sempre como orientar a vida,
indo por ela guardando os dias como páginas de um livro
que se vai desfolhando,
num prefácio enfadonho antes daquela primeira página
que importa ler e onde tudo começa a ser mais verdadeiro e mais certo de o ser.
Depois da tropa,
sitio de má memória onde mais uma vez,
só me senti uma sombra no meio de outras tantas indivisíveis;
acabei por ficar em Lisboa num quarto junto à rua Zófimo Pedroso.
Nome estranho para se dar a um filho!
Seja como seja, eu nessa altura era carpinteiro
nas oficinas de Material de Guerra perto do Poço do Bispo.
Pegava às sete horas da manhã e despegava às quatro.
Era duro e quase não havia descanso,
mas os colegas eram boas pessoas e o ambiente suportável.
Não era mau a trabalhar e não me metia cá em sarilhos ou políticas!
Isso eram coisas que eu não me entendia com elas.
Fazia o meu e não prejudicava ou maltratava ninguém e ia assim,
dia à dia, a pastar pela vida.
Até que a conheci.
A irmã do meu colega João Naves, a Ana Maria.
Tudo o que eu conhecia era nada comparado com o que era ela...
Não descansei enquanto não lhe pertenci.
Agora tinha motivo e razão para ser muito mais do que era.
A Ana era a minha esposa e merecia o melhor
que eu lhe pudesse dar.
O avô dela vendia flores na Praça de Figueira e no Alto de S. João.
Por motivos diferentes nos diferentes lugares claro está.
Eu fiquei-lhe no goto ao homem e como não houve neto que lhe quisesse seguir o passo,
eu fui-me encostando.
Aprendi tudo o que me dizia e ensinava,
de modo calmo ou rude, como era o seu trato.
Um homem bom.
Chegava a casa e a Ana Maria
contava-me o seu dia e eu o meu.
Não tínhamos televisão nesses tempos.
O dinheiro ainda não chegava a isso e havia as letras
da mobília de quarto a pagar por mais nove meses.
Foi a prenda que eu lhe dei pelos anos.
Foi o que ela me pediu.
Isso mais um beijo.
Todos os dias eu despertava
às quatro e meia da manhã e ia buscar a flores
para compor a banca do dia.
Ela acordava comigo.
Depois de desfazer a barba e me pentear,
ficava a ver-me comer as sopas de café com leite
na malguinha antiga que já havia sido do meu pai.
Sentados na mesinha da cozinha,
pousava-me a mão no braço e meiga,
parecia pedir-me para não sair de casa.
Eu fazia sempre sopas a mais e aquecia o café bem quente.
Nunca comia até ao fim e a meio passava-lhe a malga,
pedindo para ela a acabar.
Ela sorria-me com a boca e com os olhos, como só ela fazia.
Passados trinta e oito anos e sendo nós muito mais velhos,
eu hoje sou o Sr. Rosas do Rossio,
A minha Ana Maria;
depois de me ter dado um casalinho,
de os ter criado e bem criado,
foi-se embora primeiro que eu.
Ainda lhe pedi tanto para não ir e ela tanto lutou para não o fazer.
Depois chegada a altura certa que só a Deus cabe,
eu dei-lhe a voz de descanso e a confirmação do poder partir.
Fi-lo com toda a saudade e amor que alguém
pode ter dentro dele.
Tenho uma casa cheia.
Cheia das nossas coisas,
cheia das coisas dos filhos e das memórias de todos nós.
Isso não tem preço.
Não tem valor ou medida de que modo for.
Perguntam porque vou para a banca vender rosas todos os dias,
ainda com esta idade.
Eu respondo sempre que já não tenho a minha Ana em casa agora,
que ela não fica em cuidado comigo.
Depois, as rosas não se vendem sozinhas.
O dinheiro não me vem parar às mãos por ele.
Tenho muito para fazer e os dias passam ligeiros por mim.
será mais fácil para mim e para vós,
chegar-mos ao fim deste episódio de uma vida
que vos desejo relatar.
Eu era um homem jovem e sem grande escolaridade.
Fiz de tudo um pouco, muito e variado.
Nunca roubei porque nunca cuidei que fosse necessário fazê-lo para vingar.
Soube sempre como orientar a vida,
indo por ela guardando os dias como páginas de um livro
que se vai desfolhando,
num prefácio enfadonho antes daquela primeira página
que importa ler e onde tudo começa a ser mais verdadeiro e mais certo de o ser.
Depois da tropa,
sitio de má memória onde mais uma vez,
só me senti uma sombra no meio de outras tantas indivisíveis;
acabei por ficar em Lisboa num quarto junto à rua Zófimo Pedroso.
Nome estranho para se dar a um filho!
Seja como seja, eu nessa altura era carpinteiro
nas oficinas de Material de Guerra perto do Poço do Bispo.
Pegava às sete horas da manhã e despegava às quatro.
Era duro e quase não havia descanso,
mas os colegas eram boas pessoas e o ambiente suportável.
Não era mau a trabalhar e não me metia cá em sarilhos ou políticas!
Isso eram coisas que eu não me entendia com elas.
Fazia o meu e não prejudicava ou maltratava ninguém e ia assim,
dia à dia, a pastar pela vida.
Até que a conheci.
A irmã do meu colega João Naves, a Ana Maria.
Tudo o que eu conhecia era nada comparado com o que era ela...
Não descansei enquanto não lhe pertenci.
Agora tinha motivo e razão para ser muito mais do que era.
A Ana era a minha esposa e merecia o melhor
que eu lhe pudesse dar.
O avô dela vendia flores na Praça de Figueira e no Alto de S. João.
Por motivos diferentes nos diferentes lugares claro está.
Eu fiquei-lhe no goto ao homem e como não houve neto que lhe quisesse seguir o passo,
eu fui-me encostando.
Aprendi tudo o que me dizia e ensinava,
de modo calmo ou rude, como era o seu trato.
Um homem bom.
Chegava a casa e a Ana Maria
contava-me o seu dia e eu o meu.
Não tínhamos televisão nesses tempos.
O dinheiro ainda não chegava a isso e havia as letras
da mobília de quarto a pagar por mais nove meses.
Foi a prenda que eu lhe dei pelos anos.
Foi o que ela me pediu.
Isso mais um beijo.
Todos os dias eu despertava
às quatro e meia da manhã e ia buscar a flores
para compor a banca do dia.
Ela acordava comigo.
Depois de desfazer a barba e me pentear,
ficava a ver-me comer as sopas de café com leite
na malguinha antiga que já havia sido do meu pai.
Sentados na mesinha da cozinha,
pousava-me a mão no braço e meiga,
parecia pedir-me para não sair de casa.
Eu fazia sempre sopas a mais e aquecia o café bem quente.
Nunca comia até ao fim e a meio passava-lhe a malga,
pedindo para ela a acabar.
Ela sorria-me com a boca e com os olhos, como só ela fazia.
Passados trinta e oito anos e sendo nós muito mais velhos,
eu hoje sou o Sr. Rosas do Rossio,
A minha Ana Maria;
depois de me ter dado um casalinho,
de os ter criado e bem criado,
foi-se embora primeiro que eu.
Ainda lhe pedi tanto para não ir e ela tanto lutou para não o fazer.
Depois chegada a altura certa que só a Deus cabe,
eu dei-lhe a voz de descanso e a confirmação do poder partir.
Fi-lo com toda a saudade e amor que alguém
pode ter dentro dele.
Tenho uma casa cheia.
Cheia das nossas coisas,
cheia das coisas dos filhos e das memórias de todos nós.
Isso não tem preço.
Não tem valor ou medida de que modo for.
Perguntam porque vou para a banca vender rosas todos os dias,
ainda com esta idade.
Eu respondo sempre que já não tenho a minha Ana em casa agora,
que ela não fica em cuidado comigo.
Depois, as rosas não se vendem sozinhas.
O dinheiro não me vem parar às mãos por ele.
Tenho muito para fazer e os dias passam ligeiros por mim.
A minha filha
Anita perguntou-me noutro dia:
-"Paizinho, o pai que já trabalhou tanto por nós,
diga-me qual a coisa de que mais se orgulha na vida?"
Eu só consegui ter em mim uma única resposta...
-"Ter tido o amor da tua Mãe e tudo o que isso me deu."
-"Paizinho, o pai que já trabalhou tanto por nós,
diga-me qual a coisa de que mais se orgulha na vida?"
Eu só consegui ter em mim uma única resposta...
-"Ter tido o amor da tua Mãe e tudo o que isso me deu."