Translate

27/04/2014

O começo do finar

Olho para o copo.
Sei o que é um copo.
Um copo tal qual os outros que tenho guardados no armário.

Conheço-lhe a forma, 
sei o que se sente quando se pega nele, 
quando lhe encosto os lábios e sorvo o que lá vive.
É-me mais que familiar e mais que rotineiro.

No entanto eu hoje ao acordar senti sede, 
fui à cozinha para beber água,
abri a torneira e fui à porta do armário branco.
Fiquei a olhar para aquilo onde se coloca a algo para beber...
Não consegui proferir o seu nome!

Ao som da água a escorrer solta e liberta,
tentei lutar contra mim!
Saber como se diz "copo".
Não era já dono da minha consciência e mente;
compreendi.

Notastes a minha ausência na cama, 
vieste em socorro, 
presenciaste tudo.
Sentei-te e sorrio uma vez só aos teus olhos de águas crescentes.
Abracei-te.
Em silêncio notado restámos.
A doença começa a tirar-me de dentro de mim.
Como disse o tal especialista em Alzheimer, 
temos de nos preparar.

Início o processo de decadência,
da demência que me vai levar à escuridão do esquecimento 
do meu rosto em qualquer reflexo.

De súbito a tua mão ainda quente da cama
afaga-me a testa em ofertado carinho nascente.
O meu olhar volta a ser teu.
Só uma frase em sentença nas minhas palavras 
de voz trémula e sem desejar assustar-te, 
sai da minha boca:

- "O meu maior medo no peito é não me lembrar de ti!"