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10/01/2014

Indiferentes

Senti-me hoje menos homem.
Deparei com um alguém pobre e miserável; 
de olhos cansados e marcados pelos anos de abandono.
Tinha dois cães, um de cada lado a aquecer-lhe o corpo.
Estava sentado no chão tapado com cobertores velhos e sebosos, 
muito sujos; com os cães a prestar-lhe apoio e conforto, guardando-o.
A face estava vincada de rugas fatigadas com a barba e cabelo branco
que o faziam semelhante a um avô das história de encantar.
Nos olhos ensombrados pairava um olhar parado no tempo, 
hirto das memórias de tempos melhores de certeza,
mas sem culpa nele dita.
Afagava com um carinho mais que paternal o pêlo 
dos seus companheiros e mesmo que o fizesse apenas a um deles por vezes, 
o outro não demonstrava ciúme ou zanga.
Ficavam calmos, sossegados e conhecedores do amor que lhes atribuía.
Fitam-no com a devoção e lealdade própria dos animais;
inocente.
Este senhor tinha umas mãos que se notavam serem macias
apesar de imundas com as unhas descuidadas e negras,
mas repletas de carinhos.
Repararei nos momentos em que baixava a cabeça e as lágrimas caíam na cara
num sofrer silencioso, quase envergonhado.
Aquelas suas mãos ao secarem-lhe os olhos de seguida, 
de algum modo não lhe sujavam o rosto.
Qual seria a sua história?

Todos os que deambulavam viam este espectáculo triste.
Caminhavam e nada mais.
Uns a comentarem algo muito a propósito mas sem utilidade nenhuma.
Mudo fiquei eu também;
mas deveria ter feito ou dito algo sem receio de exagero visto.
Levei a mão ao porta-moedas e deixei-lhe as moedas frias que trazia.
No fim de contas fui um outro igual a todos os outros.

Deus abençoe este senhor e os seus cães.
Que me perdoe e a todos os outros indiferentes.