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13/01/2014

Homem recatado

Pelos intervalos das paragens do comboio, 
eu esforço-me para fugir ao pensamento.
Olho para os outros passageiros.
Meço-os, tomo-lhes o perfil, 
renego-os ou invento com eles só boas histórias.
Analiso cada traço em rumo nos corpos, 

cada sorriso, franzir de rosto, mirar distante ou aborrecido.
Tento aperceber-me do que ouvem em auscultadores

com um volume mais que excessivo.
Sinto-lhes o odor.
Aprecio e analiso os perfumes.
Oiço as conversas díspares.
Maravilho-me com os penteados e as maquilhagens denotativas 

ou nem por isso.
Anoto os sacos de coisas diversas, empoleiradas e dispersas.
Debato-me com as opções de roupas e calçados.

Nego-me ao julgamento fácil.
Fujo aos olhares e olho-os no fundo dos olhos.


Pressuponho que não são como eu.
Acredito que tem razões muito legítimas para viverem e serem felizes.
Dou-me a largueza de pensar que não fazem comigo isto mesmo.
Que ninguém me observa estando também naquela carruagem; 
naquele esquecimento de minutos.


Pelos intervalos das paragens do comboio, 
esforço-me para não pensar.
Reparo.
Constato, 
procrastino, 
dito sentenças e das duas, uma;

abomino ou desejo.

Nos intervalos dos percursos do comboio,

quero só ser aquele que ali vai de pé.