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02/06/2014

Os cruzados

Perdi um comboio.
Uma ligação que me permitiria chegar à hora suposta.
Mas não veio o meio,
logo a meio da viagem de retorno,
eu aqui estou.
...Centrado na plataforma 
concentro-me de olhos fechados;
escuto e vejo.

O casal da esquerda que sem ter o que dizer,
falam das calças que um deles traz.

O discurso ao telefone de um homem notado 
que só tem transparências no que afirma,
não no que faz.

A mão em descanso em cima do corrimão negro
da escada rolante ao fim à direita,
do Senhor que caminha já com o peso da cruz dos dias.

A aproximação enviesada 
de um rapazinho a uma moça desconhecida, 
mas atraente logo à vista desarmada.

Tomo conhecimento de uma mão grande,
em carinho agarrada,
à fotografia de um pequenito ausente,
de um suposto pai sentado a vinte passos de mim.

Ouço o beijo de língua, esfomeado, arregaçado,
dos namorados que se encontram nas minha costas,
mitigando o aproximar da hora de ela ir embora, 
sendo também uma comemoração sem pudor, 
pelo tempo concedido à custa de um atraso com a posterior 
supressão do comboio.

Sacio-me com o riso de uma bebé 
que descobre que se morder os deditos dos pés,
lhe dá vontade de rir em riso solto.

Eu perdi um comboio...
Uma ligação que me permitiria chegar ao tempo e à hora.
Mas abro os olhos e reparo;
que senti, vi e quase mordi sem provar,
todos estes seres enredados em episódios de coisas de gentes.

Sei que agora,
na precisa farpa de tempo em que finalmente 
pouso o pé na composição de ferro frio, 
trago mais para levar para casa.
Para contar a ti.