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10/07/2014

Cidade

Telhados doces.
Janelas com cortinas 

de rendas de outros tempos.
Portas com aldrabas 

de ferro fundido negro.
Paredes de tantos segredos 

como tijolos.
Ruas com pedras polidas 

de tantos passos.
Arcadas mães de redondos 

beijos opacos.
Candeeiros baços ornamentados 

com desenhos passados.
Varandas pejadas de flores
em vasos em canteiros rasinhos.
A drogaria da esquina apertada 

entre edifícios a tombar.
O sapateiro com a montra 

abundante de sapatos sem par.
O fontanário seco agora,
só detendo a memória 

dos cântaros cheios.
A campainha nervosa 

do eléctrico amarelo.
O eco das peixeiras ampliado 

pelas canastras reluzentes.
As noites de fado 

dos marialvas e das cantadeiras.
As dores das viúvas 

de xailes negros.
As esquinas escuras 

das prostitutas tristes.
Os combates e as rixas de morte 

entre os malditos.
Passeios estreitos 

com pedrinhas em desenhos idos.
As fachadas 

de azulejo azul e branco.
Os números das portas 

em placas de chapa preta.

Bairros desta Lisboa.
Afago de poetas.
Moradas de tantos.
Jardins com bancos 

de um tempo indeferido.
Ruas, vielas e cantinhos
destas pessoas 

do tempo da outra senhora.

São os nossos tesouros.