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30/06/2014

Carinhos

Mãos bailadas 
às brisas de vento
a que chamo doce.
Beijos dados e aproveitados 
sem medos.
Um segredo 
que a jeito revelado, 
velado deixa de o ser.

Um carinho dado sempre, 
sempre sem eu o perceber.






Preceito

Não acredito.
Não creio.
Não suspeito nem despeito.
Nada me faz crer.
Nada indicaria algo igual
ou prometeria.

O que personificam e desmontam,
no meio de um receio temerário, 
sem o que poder afirmar.
Numa deliciosa confusão
que traz a promessa de um final.
Por entre palavras ditas e tidas 
com força de lei de Talião, 
o milagre da verdade é o que se distingue.

O que me desce aos ouvidos, 
é algo com bom senso e sentido.
O que me é dado a reconhecer, 
sossega-me e dá-me a paz de um passado, 
em que sabia que essa mesma paz
já era minha.


O que me dás, 
é a serenidade 
de não escutar mais os meus passos, 
em noites de insolentes insónias. 


Cáustico

Reflexo.
Assombro.
Deserto de dedos.
Pele esticada e de veias irrigadas.
Sombras.

Espantos.
Muralhas de sorrisos falsos.
Negações em afirmações açoitadas.

Rosto.
Aluado.
Planalto de rosas púrpuras.
Olhos e cabelos de fogo aquartelados.
Uma lágrima seca.
Um riso calado.
O calor da chama da ira sem norte.

O cinto de palavras podres 
que nos pesa 
mas não nos verga.



A voz

Esperança.
Despertar.
Frases impetuosas 
lançadas quase a despique.

Sorriso.
Risos e troças.
Olhares em cascata.
Expressões.
Lábios.
Desafio em tom de cor de nervos.

Confirmação.
Acalentador.
O início de algo que não se sabe 
o que será.


Volta a esperança.
Fadário
Um sonho.
A magra alegria 
de um sentido.

Trazes um nome decorado
que eu desejo saber 
do princípio ao fim.



A memória do teu cheiro

Não sei o que sinto, 
mas sei que tenho 
a tua ausência em mim.

Não sei o que tenho, 
mas reconheço perfeitamente 
que não trago
o teu toque comigo.

Busco-te a meu lado, 
só apenas para saber 
que lá estás, 
para te abeirar 
nos meus braços.


Tu ali não estás.

Não é que todos os momentos 
tornaram-se pequenos?
Curtos.
A tua morte os fez assim.

Permito-me a estar só.



Nós

O dia acaba.
A noite entra por 
dentro de nós.
Não me assusto.
Não me esfrio 
nem enegreço.

A noite chega e é 
só a promessa 
de ti.







Encontro

Miro-te.
Deixo-me sem prantos
a perder-me em ti 
de propósito.

Encontras-me.


Dás-me um caminho novo,
um destino e suprema razão.

Sucumbo ao teu corpo liberto e nu.

Faço dele o meu livro de vida.






Luz

Cubro-te de milagres.
Espanto os teus fantasmas e renego-lhes
o caminho de volta!
Sou a tua casa.
Sente-me teu ninho.

Aperta-me contra ti.
Une o bater do teu coração ao meu...

Somos um.




Outra vida

Sinto-me à larga.
Acometido de esperança 
com visões sagradas.

Empenho-me em estar melhor,
em reter a voz sem choro.

Faço a brisa ficar morna e lúcida,
nela um primeiro beijo,
a delicadeza do primeiro olhar.

Estou no mundo.
num sonho que deve ser a dois.








Ela

Sei o teu cheiro.
Sei o teu toque em mim.
Sei o teu olhar no meu.
Sei a tua dor.
Sei a tua ausência.
Sei os teus gemidos.
Sei a união das nossas bocas 
em beijos sem tempo.
Sei a paz em mim que brota de ti.
Sei tudo isto.

Descobri apenas 
que o meu coração
vive para te amar.





Em ti

Toma a minha mão.
Aceita-a na tua.
No teu rosto,
a ponta dos meus dedos trazem-te a memória
da água fresca do mar.
Põe os teus olhos nos meus.
Ouve a minha voz e sossega-te.
Deita a cabeça no meu peito,
embala-te no meu abraço de seda e carmim.
 

Sou este e és ela.
Dois separados em união,
em silêncios eu
recebo-te.
Resguardo-te
dos ventos de lágrimas.
Fecho em mim tudo o que te consome e desgasta o sorriso.
Trago-te novos sonhos,
quero estar neles com direito a isso.
Toma-me num suspiro.
Tem a certeza de que existo.
Que eu vivo!
Fecha os teus olhos e eu estou lá.
 

És criada na Luz.
E eu já não sou escuridão.










29/06/2014

Einsatzgruppen

Recordo-vos em vida.
Não darei azo às imagens após da vossa morte.
Aquelas que foram tiradas 
com o profissionalismo repenicado, 
retirado de emoção.

As fotografias do último instante.
As faces incrédulas,
o olhar surpreso e a medo;
a instalação perpétua final do horror da certeza da morte!
A interrogação,
a pergunta que fica na boca antes do adeus ser atirado!
A negação da resposta;
apenas a execução do ato sem remorsos.

Recordo-vos em vida e não permito que vos esqueçam!
Não deixo que a vossa marca na História caia e suma!
Recordo-vos vivos,
em faces de sorrisos e doçuras de Mães e Filhos.
Temos que saber o que vos aconteceu!
Não pode acontecer outra vez!
Não deve acontecer nunca mais!

Recordo-vos em vida.
Todos Vós estão vivos em nós.

Lubny 14/10/1941













28/06/2014

Tu

Tu.

Dá-me a provar o Vento do Norte.
Diz-me a cor das marés todas de todos os Mares dignos.
Nas Montanhas frias mostra-me o som das neves.
Sopra-me o toque do Sol nas Praias das areias mais rebeldes.
Toca-me a testa sem vida. 
Bebe-me.
Diz,
dá,
mostra,
sopra,
toca-me.
Ou não faças nada do que te peço.

Não te esqueças de mim.
Mesmo que seja uma lembrança,
que seja eu uma memória das que se guarda no peito.
Não uma história mais que nem se viveu.








27/06/2014

Doçura

Vou a caminho de casa neste comboio,
na barriga rija deste vagão e dou com isto:


Ela de cor negra fala ao telefone
num dialecto imperceptível.
Parece que ralha,
mas ao mesmo tempo sorri aos poucos.
Agitada, mas solene,
com a voz no volume um pouco alto.

Ele branco, está mudo, a cara fechada,
olheiras a modo de rosto sério.
Olha para nada nas janelas da carruagem.
As suas mãos juntam-se em jeito de quem aguarda.
Gesticula os dedos no pulso do relógio dourado.
 
Ela desliga a chamada.
Em silêncio sorrido aparta-lhe a mão direita depois de lhe puxar o braço.
O rosto dele revira-se.
Ele transfiguradamente doce a aconchega num abraço natural e sem rasto.

Ele branco.
Ela negra.
Lindos.
Os dois na mesma cor.











26/06/2014

Teu

Toma o meu corpo.
Deixa-me ver o teu rosto uma vez mais que seja!
Mesmo por uma cortina de lágrimas!
Quero encontrar alguém.
A minha parte meia do meu destino.
Sonhei eu,
ser a metade justa da tua sina.

Mas toma o meu corpo,
não te permitas a nunca mais olhar para mim.
Estou aqui!
No lugar que conheces,
onde sou são e louco;
virulento nas frases,
regrado nas palavras escritas em voz alta!

Toma o meu corpo,
ou os braços,
ou uma mão ou um beijo sobrado!

Já não sabes de mim?
Tu já me guardaste.
Diz-me!
Já me perdeste.
Toma,
abre as mãos para a memória de mim.

Ou então só arquiva-me!
Despeja-me!
Descarta-me!

Mas guarda-me.








O ninguém

Se quem queira ser Poeta não saber sentir,
não concebe o que é ser Poeta.
 
Desse modo incorporado e sofrido, 
as palavras trazem só assim, 
um novo sentido e até as lágrimas passam a ser dores reais.
Tudo é do Poeta!
Desde o olhar do menino escondido no vão da escada,
ao tirar a mesa ao fim do jantar.
Se o poeta não se der conta da poesia que existe 
na formiga que vai ao açucareiro ou numa enxada de cabo enrugado,
rude e vergada;
como sente ele o Vento, as cores das madrugadas doidas,
o abismo dos seios quentes ou
o beijo da boca testemunha molhada.

Dessa forma de viver se faz de toda a gente,
sem nunca toda a gente acabar por ser.

Ser-se Poeta é a junção de um todo e ausência de um ninguém.






25/06/2014

A anotação

Eis-me.
De grosso modo.
Com a magreza dos ossos recolhidos.
Eis-me aqui ainda de sopro em sopro.

Eis-me em despedidas.
Em últimas aparições até ao cair do pano.
Resguardo-te de tudo o que me dói.
Dou te o meu testamento em pedra fosca e sem arestas.

Esquece-me.
Sente-me a falta!
Trata-me como uma folha caída.
Apodrece-me em ti!
A apaixonada folha que se perdeu do ramo.
Agora faz o que deves.
Trata-me como um apontamento a mais,
num dos teus cadernos com elásticos carcereiros.
Escreve o meu nome com lápis e rasura-me!

Serei para ti uma memória a menos,
algo fácil de apagar. 

Eis-me.








24/06/2014

Demais

Estás longe.
Devias estar aqui.
Ou eu aí.
Seja onde tu estejas,
seria esse também
o meu sitio de estar.
Mas estás longe.
Noutro lado.
De longe não te vejo,
não sou capaz de olhar tão distante.
Sinto a saudade do teu cheiro,
o desejo dos teus cabelos nos laços dos meus dedos.
Dos teus olhos a queimarem-me de saber dos meus segredos.
Abandonei-me. Não sou uma parcela de nada.
Não sou uma peça desencaixada.
Eu não sou é uma peça.

Disforme eu perdi-me.
Não me encontro não por ter tido
o meu lugar contigo.
Não por dependência,
mas porque era aí ao teu lado, onde eu deveria estar.
Como a árvore tem raiz e folhas,
como o Céu vive com as nuvens e o Vento,
como o coração tem o sangue encarnado real e como a noite 
sofre por amar as Estrelas.

Sou uma sombra.
Já o era e já não sabia.
Estou a mais neste caso.
Um a mais que vai ganhando a coragem precisa para um dia
ser só um a menos.
Depois só serei uma memória.
Uma qualquer história que se lamenta ou recorda.
Um amorfo que se apaga antes que nos queime os dedos.
Tu estás longe.
Devias estar aqui.
Devíamos estar a fazer amor agora...








22/06/2014

A esquecer-te

Nem mágoa!
Sangue e falta dele!
Um pedaço de carne regada.
Nem o meu corpo aos pedaços!
Nem a palavra retirada ao contexto
ou o contexto removido de sentido
ou o sentido remexido!
Nem a realidade e o ser-se realidade!
Nem os olhos em pesado e ritual cansaço,
um estar fatigado de mim!
Nem a alma em abandono gratuito!
Nem o abandono célere a que me ofertei!
Nem o morrer a sonhar em luz...

A escuridão, breu do meu antigo sorriso.
Nem que seja eu uma ponte sem margens,
que faça das noites e madrugadas,
retalhos de sono sem repouso ou suplício de descanso!
Nem que o vinho não acabe!
Nem que as lágrimas sejam de ouro!
Nem que o meu peito seja calmo, 
desprovido da dor e do desespero em revolta e raça!
Nem que eu queira não te amar!

A morte é eterna,
como eterno é o amor.







20/06/2014

Tua falta

Lá.
O sitio certo 
é onde nunca nos encontrámos. 
A mão que nos atravessa e onde se faz ninho. 
O sopro de ti. 
O vento que tarda . 
A brisa que nunca está. 
A tua voz escutada sem que me digas nada.

Nada faria sentido agora dizer. 
Calar também é ser presente. 
Falar de silêncios calados que somos nós. 

A Lua em lugar de testemunha permanente 
sem mais nada que por brilhar. 
Aqui te encontro.
É o meu lugar.
Fechas os meus olhos com beijos.
Abres estas mãos que sendo minhas são tuas sem dúvida.
Onde o olhar não chega.
Onde nada nunca se espera.

Sossego o teu coração.
Faço-o bater mais forte. 
Aconchego-te longe da vista mas com o peito tão perto.
Apertas-me o rosto contra o teu ventre.
Estamos no sítio certo.
Longe da realidade só nos importa o presente.


Renasço nas palmas das tuas mãos.
Como no fim tudo recomeça, 
volto aos teus braços mesmo antes de lá chegar.
Estamos no sítio certo sem nunca lá termos estado.

Falam os olhos, 
esquecem-se as palavras, 
escutam-se os sonhos,
cheira-se a chuva... 
Aqui neste mundo que tem dois feitos n´um.
Aperta-se o tempo onde tudo recomeça e aqui, 
neste lugar certo,
é onde tudo importa e ao mesmo tempo nada interessa.

Por fim passa a nuvem, 
o milagre das chamadas lágrimas dos céus, 
ficam as janelas molhadas.